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Adriano Silva: O Guardião da Trilha Perdidas

Adriano Silva: O Guardião da Trilha Perdidas

Em meio à poeira vermelha e ao verde intenso das montanhas de Belo Horizonte, Adriano Lucas Silva se move em silêncio, enxada nas mãos, moldando o caminho que tantas vezes percorreu sobre duas rodas. Natural de Magé, no Rio de Janeiro, ele trocou a brisa do mar pelo ar seco da capital mineira há mais de uma década. Mas foi nas trilhas de terra batida que encontrou um novo lar — e uma missão.



O mountain bike sempre fez parte de sua história. Sua jornada começou em Guaxupé, no sul de Minas, onde as estradas de terra entre fazendas de café foram seu primeiro playground. Ali, antes mesmo de entender marchas ou ajustes de suspensão, Adriano já sentia a liberdade sobre duas rodas. Começou com uma Caloi 10, depois uma Caloi Cross, mas foi em 1996, ao adquirir sua primeira mountain bike, que o esporte se tornou um compromisso definitivo. “Sempre fui fascinado por trilhas. Para mim, esse ambiente tem algo de mágico”, relembra.

Quando se mudou para Belo Horizonte, não conhecia ninguém do meio. Foi através do fórum Mountain Bike BH que encontrou sua primeira comunidade. Em um desses encontros, descobriu a trilha Perdidas, que logo se tornaria parte inseparável de sua rotina. “Aqui tem muito mais trilhas do que no Rio, e quando conheci essa, que fica perto de casa, me apaixonei. Só que, com o tempo, percebi que ela podia ser melhor”, conta.

A Perdidas é um labirinto natural de singletracks, descidas técnicas e curvas de flow, um verdadeiro playground para ciclistas. Mas, como qualquer trilha, sofre com o tempo. Chuvas corroem os sulcos, erosões aparecem, pedras soltas tornam-se armadilhas. O incômodo de Adriano com esses problemas foi crescendo até que um dia ele decidiu agir. Pegou uma enxada e começou a consertar.



O que começou como um ajuste pontual virou um compromisso quase diário. “Queria conseguir fazer a trilha inteira sem precisar desclipar o pedal. Mas sempre tinha um trecho que me obrigava a parar. Então fui corrigindo os pontos problemáticos”, explica. No início, era algo pessoal. Com o tempo, a comunidade passou a sentir os benefícios do seu trabalho.

O ritual de manter a trilha viva
Para Adriano, cuidar da trilha virou mais que um hábito — tornou-se um ritual. Cada ida até lá é uma forma de devolver ao esporte tudo o que ele lhe deu. “Muita gente não percebe, mas quando a trilha está fluida, sem erosões ou pedras que travam o pedal, a experiência muda completamente. Você se conecta com o momento, com a bicicleta, com o terreno. Para mim, isso é meditação ativa”, reflete.

Mas manter um percurso natural não é tarefa simples. Além das chuvas, que frequentemente desmancham seu trabalho, há o impacto das motos, que cavam sulcos profundos e aceleram o desgaste do solo. “Tem época que arrumamos e, poucos dias depois, já está tudo destruído de novo. Isso desanima, mas faz parte”, admite. O tempo também joga contra. Com uma rotina cheia, Adriano equilibra sua vida pessoal e profissional com as idas à trilha, que, para ele, se tornaram quase um segundo trabalho.

Apesar dos desafios, ele não pretende parar. Seu objetivo agora é finalizar as melhorias e, finalmente, usufruir da trilha sem precisar carregar uma enxada nas costas. “Passei mais tempo trabalhando nela do que pedalando. Quero reverter isso”, diz, rindo.



A boa notícia é que ele não está sozinho. A comunidade começou a reconhecer seu esforço, e mais ciclistas estão se envolvendo. Pequenos gestos, como remover pedras soltas ou evitar pedalar em dias de chuva intensa, fazem toda a diferença. Além disso, grupos como o BH Trilhas e o Projeto Trilhas vêm promovendo iniciativas para abertura e manutenção de trilhas, algo que Adriano acompanha com entusiasmo. “O que eles fazem é impressionante. Eles abrem trilhas do zero, algo que eu sozinho nunca conseguiria. É um trabalho essencial para o esporte.”

Hoje, a trilha Perdidas carrega seu DNA. Cada curva mais fluida, cada rampa suavizada, cada trecho que permite um pedal contínuo tem um pouco de seu esforço. Mas, mais do que isso, sua história prova como pequenos atos de dedicação podem transformar não só um espaço físico, mas toda uma comunidade.

“Se cada ciclista contribuísse um pouco, a trilha nunca se perderia”, reflete, ajustando a alça da enxada nos ombros. O caminho que molda com as mãos é o mesmo que o guia na vida – e ele ainda não chegou ao fim.