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BH-Santa Bárbara-BH: O Ritual de Pedra e Poeira para os Mineiros do Cape Epic

BH-Santa Bárbara-BH: O Ritual de Pedra e Poeira para os Mineiros do Cape Epic

O dia mal começa, e o ar já vibra com o som das correntes rodando nos cassetes. Um grupo seleto de ciclistas parte de Belo Horizonte com um único objetivo: testar seus limites. Não há placas indicando quilometragem, não há torcida incentivando nas margens, não há linha de chegada esperando com premiação. Há apenas 200 km de montanha, 4.000 metros de altimetria e uma certeza absoluta—quem não estiver preparado, vai sofrer.



Nos últimos quatro anos, o BH-Santa Bárbara-BH se tornou mais do que um treino. Ele é um ritual de passagem para os mineiros que sonham com o Cape Epic, a maior e mais brutal maratona de mountain bike do planeta. A cada edição, ele separa os prontos dos que ainda precisam sofrer um pouco mais antes de encarar a África do Sul. Sem organização oficial, sem grandes patrocinadores, sem carro de apoio—apenas raça, superação e a irmandade de quem sabe que é na montanha que se forjam os verdadeiros guerreiros do pedal.

Este ano, 29 ciclistas encaram o desafio, entre eles nomes que já subiram ao pódio no Brasil Ride, no Iron Bike e no próprio Cape Epic. Thiago Machado, que conquistou um impressionante 2º lugar em sua categoria no Cape Epic 2024, retorna para mais uma jornada. Mas o destino impôs um obstáculo extra: faltando poucos dias para a prova, ele se recupera de uma clavícula quebrada. Seu parceiro, Henrique Pires, múltiplo campeão mineiro, também carrega suas cicatrizes—no ano passado, sofreu uma grave queda que lhe custou seis costelas fraturadas. Agora, ambos enfrentam não apenas a altimetria brutal do percurso, mas também o desafio de superar as próprias limitações físicas.

Luiz Eduardo Vieira (Luizão), paulista de origem, mas há anos enraizado em Minas Gerais, participará este ano ao lado de um amigo conterrâneo. Já Ricardo Purri, que no passado formou dupla com Luizão, desta vez enfrentará a jornada ao lado de Herike, ciclista mineiro que veio exclusivamente para participar deste evento.

Mas o desafio não pertence apenas à elite. Para alguns, este percurso será um divisor de águas—como para Pedro Ferolla e sua filha, Gabriela Ferolla. Já campeã brasileira de MTB, ela agora enfrenta o maior teste da carreira, com o pai ao lado, compartilhando cada metro de trilha.



O Caminho dos Fortes
A largada acontece no Parque Perdidas, um pedaço de terra bruta esculpida pela água e pelo vento. A trilha segue rumo a Rio Acima, antes de escalar o imponente Alto do Gandarella. Quem já passou por aqui sabe: não há trégua. São horas de pedal por dentro do Parque Nacional do Gandarella, uma reserva onde trilhas estreitas serpenteiam entre florestas densas, rios cristalinos e montanhas que testam não apenas as pernas, mas também a coragem.

Santa Bárbara, o destino do primeiro dia, surge como um alívio temporário. A cidade histórica recebe os ciclistas com ruas de pedra, cheiro de comida quente e um breve descanso antes da volta. Mas o que parece um respiro logo se transforma em um segundo round ainda mais brutal.

O retorno a Belo Horizonte guarda um monstro à espreita: a subida da Espingarda Queimada. Um nome que arrepia até os mais experientes. Aqui, não há mais estratégia—há apenas sobrevivência. O grupo se fragmenta, os mais fortes desaparecem à frente, e os retardatários lutam contra a gravidade e contra a própria mente. Cada giro de pedal é uma batalha contra o próprio corpo. Alguns param. Outros seguem, cambaleando, torcendo para que a dor ceda antes que a mente desista primeiro.

Mais do que um Treino, um Rito de Passagem
O BH-Santa Bárbara-BH não é apenas uma preparação. É um batismo. Para quem vai ao Cape Epic, ele é a última provação antes do maior desafio da carreira. Para quem fica, ele é um lembrete do que significa ser um ciclista de verdade—não aquele que só pedala quando as condições são ideais, mas aquele que abraça a poeira, a exaustão e o medo, e segue em frente mesmo quando tudo dentro dele diz para parar.

Porque, no fim das contas, não é sobre estar pronto para o Epic. É sobre estar pronto para qualquer coisa.