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Pedalando por Três Países: Dez Dias de Bicicleta entre Frankfurt e Milão

Atravessar a Europa de bicicleta parece um desafio para poucos. Mas a realidade é diferente. Com estrutura, planejamento e ritmo, é possível percorrer longas distâncias com segurança, economia e intensidade. Foi isso que fizemos: dez dias de pedal, três países e mais de 900 km rodados, entre vilas medievais, montanhas alpinas e cidades modernas. Uma experiência que mostra que a ciclo-viagem não é apenas viável — é transformadora.

Ciclovias históricas e cidades medievais
O trajeto começou na Alemanha, por uma das rotas mais emblemáticas do país: a Romantische Straße. São cidades com mais de mil anos de história, conectadas por ciclovias bem sinalizadas e planas. Em Würzburg, Rothenburg ob der Tauber e Harburg, passamos por muralhas, castelos e igrejas medievais monumentais construções que, mesmo em vilarejos pequenos, impressionam pela escala e riqueza artística.

Em muitos trechos, pedalamos 30 ou 40 km entre uma cidade e outra, e sempre havia algo marcante no caminho: uma torre, uma igreja gótica, ou o Café Konditorei Munding seit 1803, em Innsbruck a cafeteria mais antiga da cidade, com tortas tradicionais.


A entrada nos Alpes e os desafios físicos
Deixando o interior alemão, cruzamos os Alpes. A mudança no relevo é imediata. Subidas exigentes, clima instável, e o corpo colocado à prova. Em trechos entre Lermoos e Innsbruck, enfrentamos rampas com inclinação de até 20%. Em compensação, a estrutura segue presente: ciclovias em meio às montanhas, pontos de apoio e vilas organizadas para receber ciclistas.

Mesmo com o esforço físico, a experiência não exige preparo profissional. Cada um faz no seu ritmo. Encontramos grupos de amigos, pessoas pedalando sozinhas e também cicloturistas de diferentes idades e nacionalidades.


As Dolomitas – beleza brutal e escultura natural
As Dolomitas não são apenas montanhas. São esculturas de calcário rosa que mudam de cor conforme o sol se move passando por tons de laranja, cinza e dourado ao longo do dia. Patrimônio Mundial da UNESCO, essas formações surgiram de antigos recifes de coral de um mar tropical que cobria a região há cerca de 250 milhões de anos.

Hoje, elas compõem uma das paisagens mais impressionantes da Europa. Pedalar entre Cortina d’Ampezzo, Alta Badia e Bolzano é como cruzar uma pintura viva. As encostas são íngremes, as curvas fechadas, e o ar, rarefeito. Mas a cada subida, há um prêmio: descidas panorâmicas com vilas escondidas entre os vales, pastos e rios glaciais.

Mesmo para quem já percorreu longas distâncias, há algo nas Dolomitas que desarma. O visual é tão intenso que distrai do esforço físico. É o tipo de lugar que obriga qualquer ciclista a parar  não por exaustão, mas por reverência.


Estrutura, hospitalidade e custo acessível
Essa talvez seja a parte mais surpreendente para quem vem do Brasil: a ciclo-viagem pela Europa é acessível. Comemos a maior parte das refeições comprando em supermercados — com preços semelhantes ou inferiores aos brasileiros. Ficamos em albergues com estrutura excelente, muitos com quartos privativos, cozinha compartilhada, lavanderia e localização privilegiada nos centros históricos.

Em Innsbruck, dormimos em um prédio com mais de 500 anos de história. Tudo por um custo muito mais baixo que hotéis convencionais.

Geografia, cultura e autonomia
Os Alpes moldam mais do que a paisagem. A geografia da região influenciou os idiomas, os costumes e o tipo de desenvolvimento local. Muitas vilas ainda mantêm sistemas quase autossuficientes, com produção de queijo, leite, pães e madeira. Pedalar por esses lugares é uma forma de entender como o ambiente natural se mistura ao modo de vida.

Além disso, viajar de bicicleta oferece autonomia total. Você decide quando parar, onde dormir, por qual caminho seguir. Diferente do turismo tradicional, o cicloturismo permite uma conexão mais profunda com o trajeto e as pessoas que se encontra ao longo dele.



Dez dias, mil aprendizados
Encerramos o percurso em Milão, depois de passar por Bolzano, Riva del Garda e outras cidades do norte da Itália. Foram cerca de 900 km pedalados. O corpo voltou cansado, mas inteiro. E a percepção de que esse tipo de viagem está ao alcance de muito mais gente do que se imagina.

Para quem quer conhecer a Europa de forma mais autêntica, econômica e intensa, a bicicleta é uma das melhores maneiras de fazer isso. Não é preciso pressa. Basta vontade, um bom planejamento e disposição para deixar o conforto do óbvio para trás.

Por Humberto Ayres

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