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Cláudio da Mata: Uma Vida Sobre Rodas e Reinvenções

Cláudio da Mata: Uma Vida Sobre Rodas e Reinvenções

Cláudio da Mata, ou Claudão, como é conhecido pelos amigos, senta em sua bicicleta com a postura de quem já viu de tudo. Aos 60 anos, ele carrega no corpo a memória de décadas de pedaladas, descidas alucinantes e subidas que testaram não só sua força física, mas sua resiliência mental. Hoje, ele continua pedalando, não apenas por competir, mas porque, como ele mesmo diz, “o prazer está na jornada, não no destino”. Essa frase, dita com um sorriso tranquilo, é a chave para entender sua história.


A vida de Claudão é um manual de reinvenção. Ele começou no ciclismo ainda jovem, dominando o cenário do cross-country (XC) em Minas Gerais. Era a “cabeça do jacaré”, acumulando pódios e sendo referência na modalidade. Mas tudo mudou em 2014, quando decidiu participar da BC Bike Race, no Canadá. Ele foi com a confiança de um veterano, mas voltou com a humildade de um aprendiz.

“Cheguei lá com minha bike de XC, super rígida, e percebi que não tinha a técnica necessária para as descidas. Eu era cabeça de jacaré, virei rabo de lagartixa”, ele ri, enquanto ajeita os óculos no rosto. Foi o ponto de virada. Claudão decidiu que aprenderia tudo de novo — e o faria aos 50 anos, algo que poucos teriam coragem de enfrentar.

De volta ao Brasil, mergulhou no mundo do enduro, modalidade que mistura descidas técnicas com subidas que exigem resistência. Era um território novo e desafiador, mas Claudão encarou de frente. “Foram anos de aprendizado. Eu era o cara que sabia descer, mas tinha que reaprender tudo: postura, técnica, até como cair direito”, relembra. Sua dedicação deu frutos. Ele se tornou um dos grandes nomes do enduro no Brasil, participando de competições lendárias como o Andes Pacífico, no Chile, e o TransMadeira, na Ilha da Madeira.

Essas provas não são para os fracos. Com descidas de mais de 20 minutos e terrenos traiçoeiros, cada segundo é uma luta pela sobrevivência. Mas Claudão nunca recuou. “As provas são blind, você não conhece o percurso. É você, sua bike e sua habilidade para salvar a pele”, conta. No Andes, ele foi homenageado como o “Abuelo de la competencia”, o ciclista mais velho entre jovens atletas. “Eles brincavam que, nessa idade, eu deveria estar em casa com pantufas e jornal, mas eu estava lá, descendo montanhas.”

Mas nem mesmo o espírito resiliente de Claudão foi capaz de conter o impacto das mudanças no ciclismo. Com a chegada das bicicletas elétricas, a essência do enduro começou a se perder. “As bikes elétricas facilitaram o acesso, mas tiraram o desafio que fazia o enduro ser especial”, observa. A pandemia de 2020 acelerou o declínio, fragmentando a comunidade. Hoje, Claudão lamenta o esvaziamento da modalidade, mas não perdeu sua paixão pelas duas rodas.

Apesar de reconhecer o avanço das bikes elétricas, Claudão não se rende à tentação. Ele compara a bicicleta tradicional a um barco a vela. “Quando você tem um barco a motor, pensa no destino. Quando tem um barco a vela, você pensa em velejar”, reflete. E é no esforço da subida, no suor escorrendo pelo rosto e na conquista do topo que ele encontra a verdadeira satisfação.

Agora, de volta ao cross-country, Claudão vê o futuro com otimismo. As habilidades técnicas adquiridas no enduro são uma vantagem para enfrentar as novas pistas, mais desafiadoras e técnicas. Ele sabe que o corpo já não é o mesmo de 30 anos atrás, mas a paixão pelo ciclismo continua inabalável. “Ainda tenho muito a curtir. O importante é nunca parar.”

Cláudio da Mata é mais do que um atleta; ele é um contador de histórias sobre resiliência, aprendizado e amor pela jornada. Seu exemplo inspira não só ciclistas, mas todos que enfrentam a vida como uma longa e desafiadora trilha, onde cada curva e subida contam uma nova história.