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Larissa Fabrini : A Coragem de um Salto no Escuro

Larissa Fabrini : A Coragem de um Salto no Escuro

Para Larissa Fabrini, a linha de chegada nunca foi um ponto final—sempre foi um convite para recomeçar. Campeã geral amadora do Ironman Brasil 2024, cinco vezes vice-campeã geral amadora do Ironman (entre Brasil e México) e três vezes campeã geral de meio Ironman, colecionando pódios pela América Latina, ela sempre soube que pertencia entre as melhores. Mas uma pergunta persistia: e se eu pudesse ir além?



Competir na elite do triatlo não é apenas sobre tempo e performance. Para Larissa, significa entrega total, forjar uma identidade no limite do corpo e da mente. Mas até os atletas mais destemidos sentem o peso da dúvida. Afinal, como dar esse passo sem perder o prazer que fez do triatlo sua paixão?

Aos 37 anos, enquanto muitos atletas pensam na aposentadoria, ela encara o maior desafio da carreira: tornar-se profissional. O tempo nunca foi um obstáculo—começou tarde, venceu onde não imaginava e agora encara o desconhecido com a certeza de que não pode ignorar esse chamado.

Nesta conversa franca, Larissa compartilha os dilemas que a acompanharam nos últimos anos, o medo de perder sua essência, o desafio de elevar a régua e a empolgação de se lançar em um território inexplorado. Porque, no fim, existe um pensamento que a impulsiona mais do que qualquer outro: melhor se arrepender de ter tentado do que viver com o peso do “e se?”

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O Momento de Decisão entre o Amador e o Profissional no Triatlo
Você está vivendo um ponto-chave na sua trajetória esportiva. Em que momento essa dúvida entre continuar no amador ou ir para o profissional começou a ganhar mais força na sua cabeça? 
"Competir na categoria profissional sempre foi um sonho antigo, desde quando realmente comecei no triatlo. Não pela performance, mas pelo que representa um atleta profissional no nosso país e no mundo. O atleta profissional é símbolo de disciplina, perseverança e de uma mentalidade muito forte. Antes mesmo da pandemia, já tinha essa vontade, mesmo sem ter a performance para isso. Quando veio a pandemia, a categoria profissional no Brasil para a distância de meio-iron deixou de existir. Esse sonho simplesmente se extinguiu da minha mente porque não seria prático. Mesmo competindo em outros países, isso não me motivava a mudar para o profissional, pois no Brasil essa possibilidade não existia. Agora, com o retorno da categoria profissional no Brasil no final do ano passado, passou a fazer sentido. Vou conseguir representar as marcas que trabalho dentro do meu país, onde isso faz diferença. E, claro, posso realizar esse sonho."



O que mais pesa nessa decisão para você? É algo mais físico, emocional ou prático, como apoio, estrutura e patrocínio?
“Hoje eu tenho 37 anos, então essa transição para o profissional é simplesmente uma realização pessoal. Não tem absolutamente nada a ver com meus patrocinadores ou com mudar meu estilo de vida. Minha rotina de treinos continuará a mesma. Conversei com todas as marcas com as quais trabalho e, para elas, isso não muda nada. É até uma lástima dizer isso, mas ser profissional no triatlo no Brasil não é um grande diferencial para patrocinadores.”

Existe um momento ou uma prova específica que te fez pensar: ‘Eu realmente posso competir no profissional?
"No Ironman Brasil 2024, fui campeã geral amadora. No mesmo ano, no Ironman de Cozumel, fui novamente vice-campeã geral amadora e fiquei em nono lugar geral entre todas as mulheres. Foi nesse momento que a chama do profissional acendeu forte. Eu vi que existia uma possibilidade real, com números concretos, de competir como profissional. Claro que, em nível mundial, ainda está longe. E a dinâmica do amador e do profissional é muito diferente, mas ali eu percebi que a transição era possível."

Quais são os maiores medos ou incertezas que surgem quando você pensa nessa mudança?
“O meu maior medo é que meu sentimento em relação ao esporte mude. Hoje, para mim, tudo é leve, natural e gostoso. É a minha profissão, mas como ainda não está chancelado, eu encaro de um jeito mais solto, sem pressão. Meu único receio é que, ao virar profissional, isso se torne uma obrigação, algo pesado. Quero que continue sendo meu trabalho, mas que seja alegre, leve e feliz.”



Competitividade e Performance
Você sempre teve uma competitividade extrema, que te colocou entre as melhores do amador. Você acha que esse perfil pode ser um diferencial no profissional ou o jogo muda completamente nesse nível?

“Vou ter que equilibrar dois pontos muito importantes. No último ano, ganhar provas foi muito fácil para mim. Mesmo sem ter um ciclo de treinos perfeito, minha bagagem de 10 anos no esporte fez valer a pena. Eu venci provas sem precisar me entregar 100%. Isso me mostrou que eu precisava de desafios maiores. Ir para o profissional é um grande medo porque vai exigir que eu me entregue ainda mais nos treinos, me dedique mais, organize minha rotina melhor, me alimente melhor.

Meu receio é me acomodar no seguinte pensamento: ‘Elas já são profissionais há mais tempo, então a obrigação de ganhar é delas’. Eu não posso deixar isso acontecer. Preciso lembrar que sou forte, sou boa e que posso ganhar. No profissional, a régua sobe muito, mas o mais legal de tudo é o desafio de me testar contra pessoas ainda melhores. Isso vai elevar não só meu nível físico, mas também o mental, porque triatlo vai muito além de nadar, pedalar e correr.”

Se você der esse passo para o profissional, acredita que conseguiria competir de igual para igual desde o início, ou essa transição exigiria uma adaptação maior? “Estar na categoria profissional é como começar algo novo, mas que eu já conheço. É um sentimento diferente. E não há nada melhor do que estar começando algo novo. Isso renova completamente minha motivação. A vontade de se alimentar bem, descansar, manter a mente tranquila… Tudo isso ganha um novo significado. Então, não tenho dúvidas de que será uma experiência incrível, principalmente nesse primeiro ano.”



Aspectos Físicos e Mentais
Muitas pessoas falam sobre a idade no esporte, mas o que você sente na prática?
“Hoje tenho 37 anos, e no cenário mundial vejo que muitas mulheres começam a se aposentar entre 40 e 42 anos. Mas essas mulheres começaram no esporte ainda crianças. Eu não tenho referências de atletas que começaram tarde como eu e fizeram essa transição. Ao mesmo tempo que esse fator me assusta, percebo que estou em minha melhor forma. Minha performance hoje é muito melhor do que há 2, 3, 5 ou 10 anos. Então, preciso encontrar um equilíbrio entre reconhecer minhas limitações e deixar as coisas acontecerem naturalmente.”

O que mudaria na sua rotina de treinos caso decidisse seguir para o profissionalismo?
“Na prática, o que muda mesmo é minha mentalidade sobre treinos, descanso e alimentação. Meus treinos sempre foram intensos, mas agora eles têm um peso maior. Se antes eu pensava duas vezes antes de ir até Belo Horizonte para um treino de natação, agora não penso mais. Porque cada treino é o treino. A qualidade e o descanso passaram a ser prioridades".

Você já conversou com outros atletas que fizeram essa transição? O que eles te disseram sobre os desafios dessa mudança?
“Tenho o privilégio de trocar ideia com pessoas experientes. Meu técnico, Santiago, tem muitos anos de experiência e me ajuda muito com insights valiosos. Mas uma das conversas mais inspiradoras que tive foi com a Fernanda Keller, ícone do Ironman. Ela me deu uma grande força para fazer essa transição. Foi um papo que me impulsionou de verdade. Curiosamente, o que mais conheço são atletas que saíram do profissional para o amador, e não o contrário. Então, mais uma vez, serei minha própria referência nessa jornada.”



O Que Vem Pela Frente?
Existe um prazo para essa decisão ou você está deixando as coisas acontecerem no seu tempo? “A partir do momento em que eu competir no profissional, tenho que permanecer nessa categoria por pelo menos um ano. Mas não é algo definitivo. Se eu quiser, posso voltar para o amador no ano seguinte. Não vejo isso como uma decisão para sempre, mas sim uma experiência. E se for algo leve para mim, será leve para as pessoas ao meu redor também".

Se decidir continuar no amador, o que ainda quer conquistar? Existe algo que ainda te motiva nesse circuito? “A única coisa que ainda me motiva no amador é conquistar um pódio no mundial. Mas nada me faria acordar com aquela ânsia de treinar e querer ser melhor todos os dias".

Como você gostaria de olhar para trás daqui a alguns anos e enxergar essa fase da sua carreira? “Eu só quero olhar para trás e dizer para mim mesma: ‘Ainda bem que eu tentei’, e não: ‘E se eu tivesse tentado?’ Esse é o melhor sentimento".