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Fernanda Maciel: Velocidade nas Alturas

Fernanda Maciel: Velocidade nas Alturas

Se existe uma palavra que define Fernanda Maciel, essa palavra é Superação. 
No mundo das ultramaratonas e das escaladas em ritmo extremo, poucos atletas desafiam tanto os limites do corpo e da mente como ela. Sua trajetória é marcada por desafios que beiram o impossível, e cada nova conquista a coloca entre as esportistas mais impressionantes do planeta. Tivemos o privilégio de entrevistá-la para entender a real dimensão de seus feitos—algo que, para quem não vive o universo da corrida e do montanhismo, pode ser difícil de captar à primeira vista. O que Fernanda faz vai além do extraordinário. Seu estilo de escalada e corrida desafia não apenas a gravidade, mas também as barreiras do próprio corpo.



No limite da conquista
O vento corta como lâminas de gelo, a trilha íngreme parece devorá-la a cada passo, e o silêncio absoluto da montanha só é quebrado pelo ritmo firme de sua respiração. O ar rarefeito cobra seu preço, tornando cada   movimento um esforço sobre-humano. Mas é nesse limiar entre a exaustão e a glória que Fernanda pertence. A cada desafio, ela redefine os conceitos de resistência e velocidade. Brasileira de Belo Horizonte, construiu uma carreira impressionante no montanhismo e nas corridas de montanha, acumulando recordes e experiências que a transformaram em um ícone do esporte outdoor. Nesta entrevista exclusiva, ela compartilha sua origem no esporte, os desafios extremos que enfrentou e sua visão sobre o futuro do montanhismo feminino.



O Começo de Tudo
Fernanda iniciou sua trajetória no esporte em 2006, na Nova Zelândia, onde passou um ano competindo. “Eu sou de Belo Horizonte e comecei pela corrida de rua. Fazia a Volta da Pampulha, meia-maratona no Rio, sempre no asfalto. Mas na Nova Zelândia, fiz minha primeira meia-maratona de montanha e me apaixonei pelo esporte. Foi incrível correr em paisagens nevadas e perceber que eu tinha talento para isso.” A descoberta foi instantânea: ela completou sua primeira meia-maratona de montanha no mesmo tempo em que fazia no asfalto. “Ali percebi que minha vocação era outra.” O talento descoberto na Nova Zelândia logo ganhou o mundo. De volta ao Brasil, suas vitórias chamaram atenção e, pouco tempo depois, a Europa se tornaria seu novo campo de batalha.



De Belo Horizonte para os Maiores Desafios do Planeta
A geografia de Belo Horizonte, com suas subidas e descidas, ajudou a moldar sua resistência. “Eu nunca gostei de pegar ônibus, então corria para o colégio, para a capoeira, e sempre adorei explorar a Serra do Cipó e a Lapinha.” Esse histórico, aliado à sua determinação, pavimentou o caminho para conquistas ainda maiores. Em 2009, Fernanda se mudou para a Europa e mergulhou de vez no montanhismo, competindo nas principais provas do continente. “Aqui, as ultras já eram famosas, e eu fui vencendo praticamente todas as provas em que competia.”



A Escalada em Ritmo Extremo
Diferente da abordagem tradicional, Fernanda se destacou por sua velocidade nas montanhas. “Já são 15 anos correndo ultramaratonas, e isso me deu uma bagagem mental e física enorme. Tenho uma recuperação rápida, então consigo fazer reconhecimento de montanhas em poucos dias e, logo depois, partir para a tentativa de recorde.” Seu método é único. Enquanto a maioria das pessoas leva 20 dias para subir uma montanha, Fernanda faz o reconhecimento em três dias e, na próxima janela de bom tempo, já tenta o recorde. “Praticamente todas as montanhas onde tenho recorde, subi pelo menos duas vezes em poucos dias".



No Limite entre a Conquista e o Perigo
A abordagem agressiva cobra seu preço. “Já fiquei no limite algumas vezes, com cabelo e dedos congelados. Como escalo com equipamentos mínimos para ser mais rápida, não posso parar. Se vejo que cheguei ao meu limite, eu desço. Prefiro voltar viva.” Duas vezes, ela teve que desistir devido às condições extremas. “A montanha te ensina sobre respeito. O ego e a ambição ficam em segundo plano quando a vida está em risco. Muitas vezes, você passa um ano inteiro treinando e tem apenas um único dia de clima favorável. E, mesmo assim, pode não dar certo. O importante é saber a hora de parar.”



Everest: a Frustração e a Realidade do Montanhismo Comercial
Em 2023, Fernanda tentou escalar o Everest sem oxigênio suplementar—um feito que apenas 10 mulheres conseguiram na história. “Passei anos me preparando e lutando para viabilizar financeiramente a expedição. Quando finalmente consegui, meu Sherpa teve um problema de saúde e não pôde me acompanhar. Sem um guia, não consegui seguir.” Anos de planejamento, sacrifícios e preparação, tudo pronto para um dos maiores desafios de sua vida. Mas, no Everest, nem sempre a força de vontade é suficiente. Sem um guia, sem apoio e diante da realidade do montanhismo comercial, Fernanda viu seu sonho desmoronar. O Everest não perdoa. E, desta vez, não era para ser. A experiência a decepcionou profundamente. “É uma montanha dominada pelo turismo extremo. A maioria das pessoas que estão lá nunca escalaram nada na vida, pagam uma fortuna, usam oxigênio e deixam toneladas de lixo na montanha. Para quem ama e respeita a montanha, como eu, foi uma experiência frustrante".



Legado e Futuro para as Mulheres no Montanhismo
Fernanda não se vê como alpinista. “Minha profissão é corredora. Sou melhor alpinista do que muitas alpinistas, mas me vejo como uma atleta de montanha em velocidade.” Apesar disso, sua influência no esporte é inegável. “Muitas mulheres começaram no trail running por minha causa. Outro dia, uma francesa me mandou mensagem dizendo que tentou quebrar meu recorde no Aconcágua, mas não conseguiu. Saber que inspiro atletas ao redor do mundo é incrível.” Além dos desafios físicos, Fernanda enfrenta barreiras burocráticas e o machismo. “Em muitas montanhas, tive que me esconder para começar a prova porque as regras não previam uma abordagem como a minha. Ser mulher nesse meio torna tudo ainda mais difícil. Mas percebo que hoje há mais respeito e espero que as próximas gerações não passem pelo que passei.



A mensagem de Fernanda
Para quem sonha em seguir seus passos, Fernanda deixa um recado direto: “Estar na natureza é uma experiência transformadora. Mas ser atleta profissional exige mais do que treino. Todos os atletas de elite também são empresários. Não existe essa ilusão de viver só do esporte. Há muito trabalho por trás, sacrifícios e dedicação absoluta. Mas, no fim, vale a pena. A recompensa de estar no meio da montanha, enfrentando a si mesmo, é gigante". Fernanda segue sua jornada, quebrando barreiras, desafiando o impossível e inspirando uma nova geração de atletas. Com ou sem oxigênio, seu nome já está gravado na história. Mas a sensação é de que seu maior feito ainda está por vir.