Pular para o texto
O Chamado das Estradas: A Jornada de Henrique Bravo na Europa

O Chamado das Estradas: A Jornada de Henrique Bravo na Europa

O vento gelado da Bélgica atinge o rosto com um frio cortante. A estrada úmida brilha sob a luz difusa do amanhecer, e Henrique Bravo ajusta o zíper do corta-vento antes de pressionar os pedais e seguir em frente. O sol nasce tarde por aqui, e o frio é um inimigo que ele ainda está aprendendo a enfrentar. Mas isso não o impede. Nada o impede.

“De manhã cedo, o frio castiga”, diz Bravo, entre uma respiração e outra. “Então, espero um pouco e saio sem pressa.” Há uma serenidade em sua voz, a de alguém que compreende o peso do desafio, mas que o encara com olhos de quem encontrou exatamente onde deveria estar.



A Bélgica, terra das clássicas do ciclismo, se tornou um novo palco para Henrique. Um país pequeno, mas que respira ciclismo em cada curva estreita de paralelepípedos. Ele fala sobre as provas lendárias como quem descreve um templo sagrado. A Ronde van Vlaanderen, uma das mais icônicas corridas de um dia, começou ali em 1913, e desde então, ciclistas desafiam as colinas míticas como Koppenberg, Paterberg, Oude Kwaremont, Molenberg. Subidas curtas, mas brutalmente íngremes, onde só os mais fortes permanecem de pé.

“É surreal pedalar por aqui”, reflete. “Saber que ciclistas de mais de um século já competiam nessas estradas, sentir o peso da história em cada metro. É um privilégio.”

Mas nem tudo é contemplação. Há um choque inevitável quando um atleta brasileiro aterrissa no Velho Continente. A adaptação ao frio é um deles. A sensação térmica de quatro graus se agarra ao corpo como um abraço indesejado. Mas o que mais impressiona Henrique não são os desafios climáticos, e sim a intensidade do calendário. “Aqui tem prova quase todo dia. É preciso escolher bem, porque a opção não falta.”



Girona, na Espanha, se tornou sua base. Mais do que um refúgio climático, a cidade é um santuário do ciclismo mundial. “Escolhi Girona pela estrutura impecável, pelos treinos desafiadores e pela segurança. O clima é mais ameno, a cidade respira ciclismo, e aqui posso focar no que realmente importa: evoluir.”

Girona é um microcosmo do que o ciclismo representa na Europa: ruas onde cada café abriga uma história de superação, estradas onde cada curva já viu batalhas silenciosas entre ciclistas e seus limites. Bravo agora faz parte desse cenário. Ele pedala ao lado de atletas que antes acompanhava apenas pelas telas. “Se você senta num café em Girona, com certeza tem um ciclista profissional do seu lado. Já fiz várias amizades aqui com caras que eu admirava há seis anos.”



Apesar da rotina intensa, há um certo deslumbramento em sua voz quando fala do privilégio de estar onde está. E é isso que o move. Para quem é brasileiro, essa é uma temporada de absorver o máximo possível, de ser uma esponja para todo aprendizado que esse novo ambiente pode oferecer. “Meu objetivo principal é aprender. Prestar atenção em tudo, pegar cada detalhe. Já aprendi muito só convivendo com a equipe, e nem tivemos corridas ainda.”

Ele sabe que essa jornada não é apenas sobre se tornar um ciclista melhor. É sobre representar algo maior. “O Brasil tem muito a evoluir no ciclismo, mas estamos no caminho certo. Projetos de desenvolvimento, mais estrutura… é um processo.” E ele quer fazer parte disso. Como Avancini fez no mountain bike, Bravo quer deixar sua marca no ciclismo de estrada. “Se um dia eu puder inspirar como ele fez, seria incrível.”



Mas para isso, é preciso mais do que força física. É preciso resiliência. A saudade da família aperta em momentos de silêncio. O feijão e o pão de queijo são memórias gustativas que não podem ser recriadas nos cafés de Girona. O frio belga morde mais do que qualquer treino no calor de Nova Lima. Mas Henrique Bravo segue. Sempre segue.

“Se pudesse dar um conselho para os mais jovens, seria: se divirta, faça o que gosta, trabalhe duro, mas nunca perca sua essência.”

A essência, afinal, é o que o trouxe até aqui. O vento corta, a estrada brilha sob a luz do novo dia. Henrique Bravo segue pedalando—não apenas rumo ao desconhecido, mas rumo ao seu próprio destino.